OS ESTONIANOS -CRÍTICA TRIBUNA - 23 de outubro de 2008

Pertinente reflexão sobre múltiplas carências

"Os estonianos"
Lionel Fischer

Os especialistas no que diz respeito à alma humana sustentam que a principal característica do neurótico é jamais viver o presente - ou se apega ao passado, lamentando-se do que poderia ter feito e não fez, ou projeta realizações para o futuro. No presente caso, e mesmo carecendo de autoridade para afirmar que os cinco personagens sejam neuróticos, o fato é que, por razões diversas - conhecidas ou latentes - nenhum deles está satisfeito com a vida que leva, como se a tão sonhada felicidade não pudesse estar inserida no cotidiano de cada um. E essa sensação de permanente carência configura o tema central de "Os estonianos", em cartaz no Espaço Sesc.
Segundo espetáculo da Cia. Casa de Jorge - o primeiro foi "Não vamos falar sobre isso agora" - "Os estonianos" tem como autora Júlia Spadaccini, estando a direção a cargo de Jorge Caetano. No elenco, Ana Kutner (Marília, psiquiatra), Jorge Caetano (Pedro, jornalista casado com Marília), Ana Baird (Suely, garçonete), Pedro Henrique Monteiro (Fred, economista) e Thaís Tedesco (Lívia, freqüentadora compulsiva de terapias).
Como dissemos no parágrafo inicial, a carência é o tema central do texto. E embora os personagens pertençam a universos distintos, ao menos em termos de atividade profissional, seus caminhos acabam se cruzando, facultando ao espectador um excelente material para reflexão, sobretudo pela capacidade da autora de utilizar o humor como principal veículo de explicitação das já mencionadas carências.
Quanto ao espetáculo, Jorge Caetano impõe à cena uma dinâmica em total sintonia com o texto, que pressupõe uma encenação não atrelada ao naturalismo. Valendo-se de marcações pertinentes e expressivas, o diretor consegue não apenas valorizar ao máximo os conteúdos implícitos, mas também extrair do elenco ótimas atuações.
Tendo à disposição personagens muito bem estruturados e com questões relevantes a atormentá-los, Ana Kutner, Jorge Caetano, Ana Baird, Thaís Tedesco e Pedro Henrique Monteiro exibem grande capacidade de entrega e ótima contracena, o que só contribui para ratificar o que já dissemos tantas vezes neste espaço: o Brasil pode carecer de tudo, menos de excelentes interpretes. E os que apreciam a dificílima arte de representar têm a obrigação de prestigiar a presente montagem, sem dúvida uma das melhores da atual temporada.
Na equipe técnica, destacamos com o mesmo entusiasmo a cenografia de Natália Lana, os figurinos de Thaís Tedesco, a iluminação de Ana Kutner, a trilha sonora de Jorge Caetano e a direção de movimento de Márcia Rubin.
OS ESTONIANOS - Texto de Júlia Spadaccini. Direção de Jorge Caetano. Com a Cia. Casa de Jorge. Espaço Sesc. Quinta a sábado, às 21h. Domingo, às 19h30.